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Uma questão de estilo: por que cada vez é mais difícil encontrar pessoas que sabem escrever corretamente nos meios de comunicação? Paulo Roberto de Almeida O texto abaixo, sobre a obscuridade de certos escritos que encontramos nas páginas literárias dos jornais ou revistas, me foi inspirado pela seguinte frase de Stefan Zweig, em correspondência particular, frase que "pesquei" na fabulosa biografia desse autor por Alberto Dines: “As pessoas que fazem ou falam literatura são totalmente incompreensíveis, parece-me mais um defeito da natureza do que uma virtude, mas talvez a arte tenha sido sempre condicionada por tais deficiências” Stefan Zweig, carta a Friderike Maria von Winternitz (ex-Zweig), em 7/12/1940, citado por Alberto Dines, Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed. ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 326. Stefan Zweig referia-se, obviamente, aos escritores como ele, romancistas ou literatos em geral, homens de letras, no sentido amplo, cuja prosa lhe parecia pertencer a um universo de referências escondidas, de significados obscuros, cuja compreensão talvez só estivesse ao alcance de outros membros da République des Lettres, que ele evitava freqüentar, seja por comodismo ou timidez, seja por medo de entrar em polêmica a respeito de suas próprias convicções literárias ou a propósito do seu estilo literário. Ele queria ser compreendido (e amado) do grande público e por isso buscava a concisão literária, a correção na forma, a perfeição na linguagem, ademais da simplicidade no discurso, para que seu argumento atingisse o maior número. Sem deixar de ser profundo, e de fazer apelo à sua vasta cultura humanista, ele pretendia ser um escritor popular, o que requeria, obviamente, um cuidado especial com a linguagem escrita, de maneira a aproximá-la do cidadão comum, do leitor médio, do público cultivado mas não pretencioso, que refugava os maneirismos e preciosismos de linguagem de muitos dos seus colegas de pluma. De minha parte, entendo que a frase de Zweig aplica-se ainda com maior acuidade e rigor ao trabalho dos filósofos, dos sociólogos, dos cientistas sociais em geral, cujo objeto de análise e de reflexões toca nos campos mais ou menos subjetivos da organização social, das motivações políticas, das políticas econômicas, enfim, dos assuntos humanos. Tenho encontrado, em muitos escritos de meus colegas, grandes doses de prolixidade na escrita, um desejo inconfessado de parecer sofisticado pelo rebuscamento inútil da linguagem, pela profusão nos conceitos e pela adjetivação exagerada das análises. Parece que eles acabaram de fazer um curso completo de redação obscura com um desses filósofos franceses adeptos do desconstrucionismo verbal, êmulos (talvez inconscientes) de Derrida e de Baudrillard. Isso pelo lado bom. Pelo lado ruim, o que mais tenho encontrado, na verdade, é a simples redação deficiente, uma linguagem caótica e rebarbativa, que por sua vez revela um pensamento desorganizado, uma confusão de idéias que passa longo do que se convencionou chamar de brain storming. Pelo lado catastrófico, então, cada vez mais deparo com a miséria da escrita, com uma linguagem estropiada por incorreções gramaticais, impropriedades estilísticas, quando não barbaridades ortográficas de tal monta que seriam capazes de fazer fundir um desses corretores automáticos de computador que detectam todos os erros de digitação. Mas, mesmo depois que o perpetrador em questão aplicou o seu corretor ortográfico informático e eliminou todos os erros de digitação, ainda sobram frases incompreensíveis, expressões sem sentido, uma linguagem tortuosa e torturada que seria capaz de confundir o mais paciente revisor de estilo pago por tarefa. A pobreza da linguagem escrita no Brasil – já nem mais falo da linguagem coloquial, irrecorrivelmente contaminada pelo dialeto televisivo das novelas e programas de auditório – tem progredido a olhos vistos, acompanhando a rápida deterioração da educação no país. Acredito que não haja mais espaço, atualmente, para aqueles programas ao vivo voltados para testar o conhecimento de concorrentes em fatos gerais da história ou em destreza na língua escrita, que premiavam verdadeiras enciclopédias ambulantes, dicionários vivos da língua pátria. Tudo isso é passado, eu sei, mas será que não se consegue, ao menos, ter pessoas que consigam escrever ao menos num Português normal, desprovido de erros primários e de barbarismos estilísticos? Não estou falando de profissionais “normais”, mas de aspirantes a um título universitário de pós-graduação, que constitui a minha “clientela” mais freqüente. Tenho encontrado cada vez mais, nessas dissertações para as quais sou convidado para a banca julgadora, um tal volume de atentados à linguagem que penso seriamente em desistir de aceitar participação, por mais que o título ou o tema possam me atrair. Vou pedir para ver o trabalho antes de decidir se aceito ou não. Não quero ficar chocado com as barbaridades lingüísticas e os atentados à boa escrita. Não se trata de arrogância intelectual ou elitismo lingüístico, mas uma simples questão de coerência. Uma linguagem confusa, quando não incorreta, revela, antes de tudo, confusão nas idéias, assim que ao menor sinal de impropriedade redacional pode-se estar seguro de que a qualidade intrínseca do trabalho tampouco será superior ao estilo de redação. Como não pretendo deixar nem autor nem orientador constrangidos na hora da avaliação pública do trabalho, vou desistir preventivamente de participar. Acho que é o melhor que eu tenho a fazer nesta fase de deterioração generalizada da educação no Brasil. Fica dado o aviso. Antes de me convidar, favor revisar o Português (e as idéias também). Paulo Roberto de Almeida, diplomata e sociólogo |