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Cinco cartas na vida de um escritor Alberto Dines Quantas cartas escreveu Stefan Zweig ao longo da sua vida? Uma seleção da sua correspondência geral ocupa quatro pesados tomos, a correspondência com a primeira mulher é volumosa. Não deveria causar surpresas o aparecimento de uma coleção de cinco cartas inéditas dirigidas a um desconhecido primo em Israel. No entanto, são fascinantes. Provam que não existem “biografias definitivas”, todas são obras em construção. Provam também que a arte de reviver vidas vai além dos relatos segmentados ou anedóticos. Dirigidas ao primo Egon Zweig apareceram recentemente no mais importante jornal israelense, Haaretz, num texto de Ofer Aderet publicado em 16/10 na edição em hebraico e na edição inglesa em 13/11/09 (a íntegra em alemão foi publicada na edição de outubro de MB Yakinton, da associação de israelenses originários da Europa Central). A aparição deste parente-correspondente e, além disso, entusiasmado sionista já é um dado relevante. Dr. Egon Michael Zweig não aparece na minuciosa árvore genealógica dos Zweig estabelecida pelo historiador Leo Spitzer (Lives in between, Cambridge University Press, New York, 1989, p.75). Nas notas de Jeffrey Berlin-Knut Beck em Briefe, 1932-1942 (S.Fischer, Frankfurt, 2005, p.458), menciona-se um homônimo, Egon Zweig, tio de Stefan (nascido em 1877). O primo Egon foi um ativo militante da Federação Sionista Austríaca que emigrou para a Palestina em 1922 fixando-se em Jerusalém. Na última carta, Stefan revela a existência de outro parente, Max Zweig (que escapou da Áustria em 1938 e fixou-se na Palestina onde tornou-se um prolífico dramaturgo). Datadas de 1920 (quando Egon ainda estava na Áustria), 1930, 1932, 1933 (depois da ascensão de Hitler) e 1940 revelam um certo interesse de Stefan por questões relacionadas com o judaísmo, a cultura hebraica e a construção da comunidade judaica na Palestina. Ao longo de duas décadas percebe-se o lento desengajamento do pupilo de Theodor Herzl com as ideias que na juventude abraçou com tanto fervor. Fica claro que está respondendo aos estímulos do parente, não se trata de um movimento pessoal. Exceto na primeira carta quando toma a iniciativa de pedir a ajuda do primo para a preparação de uma antologia hebraica a ser incluída na Bibliotheca Mundi que começou a organizar para a sua editora (Insel Verlag). Ao revelar um relacionamento até hoje ignorado com o poeta S.I.Agnon (Nobel de Literatura, 1966) evidencia-se que a preocupação de Stefan Zweig com a questão judaica não se esgotara com a troca de cartas com Martin Buber no fim da 1ª Guerra Mundial. Em 1930, quando já é uma celebridade e está envolvido na preparação do tríptico A Cura pelo Espírito, Stefan nos surpreende com um devaneio a respeito de um épico sobre a construção do lar nacional judeu na Palestina. A idéia parece ter sido sugerida pelo primo mas logo a extraordinária capacidade inventiva de Stefan a assimila e logo o vemos organizando o projeto, dedicando a ele pelo menos um ano de intenso trabalho com uma boa temporada in loco que não pode resumir-se a uma temporada de 14 dias “no estilo turístico americano”. Egon, aparentemente, volta a insistir na visita à Palestina como primeiro passo para uma obra “sionista”. No final de 1932, Stefan revela que planejara uma visita a Jerusalém depois de um malogrado ciclo de conferências em Alexandria e promete realizá-la no próximo ano. Para diminuir a pressão do primo alega ironicamente que o nome Zweig já está associado à causa sionista através da recente novela de Arnold Zweig (certamente De Vriendt kehrt heim, publicada em inglês como De Vriendt Goes Home). Um ano depois, com Hitler no poder e imerso na penosa colaboração com Richard Strauss na ópera-bufa Die Schweigsame Frau, Stefan novamente dá asas à imaginação e menciona a fundação de uma companhia itinerante de ópera formada com cantores e músicos expulsos pelos nazistas, capaz de provocar furor em todo o mundo e, ao mesmo tempo, representar a força da arte judaica. Avisa o primo de que não continuará na Áustria nem em Salzburg e garante que as novas circunstâncias não o abaterão: a sorte de milhares e centenas de milhares de outros é pior do que a sua. Já em Bath, Inglaterra, 1940, passa em revista os mais recentes eventos familiares com as respectivas datas: a transferência do irmão Alfred para Nova York, a morte da mãe em Viena (agosto de 1938, não lembra o dia), o divórcio de Friderike e o novo casamento com Lotte Altmann. “Não temos planos de expandir a nossa árvore genealógica”, afirma. Àquela altura ainda não se assustara com a ocupação da França e garante que o endereço de Bath é válido. Acrescenta: “na medida em que algo pode ser válido à luz dos atuais acontecimentos no mundo”. Em cinco cartas, um mostruário fiel do temperamento de Stefan Zweig – intensamente criativo, altruísta, mas quase esnobe, claramente pessimista. |