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Uma viagem ao passado, de S. Zweig, Ed. Grasset


Delphine Peras
in L'Express

A viagem ao passado, um breve relato de uma paixão, é um dos sucessos de venda deste outono na França. Mais de 60 anos depois da sua morte, o escritor austríaco – ainda que não seja o maior de todos – continua sendo o preferido do público francês. Investigação sobre uma “zweigmania” paradoxal.

Um homem, uma mulher, nove anos depois. Não, não se trata de uma variação do célebre filme de Claude Lelouch, e sim do rastro de um meteoro que fez uma surpreendente “rentrée” literária: a Viagem ao passado, texto inédito em francês de Stefan Zweig (1881-1942), uma novela de 100 páginas publicada pela primeira vez em 1929 numa revista de Viena e integrada depois a uma coletânea. A versão completa foi reencontrada muitos anos depois em Londres sob a forma de manuscrito datilografado e com anotações do autor, depois editado na íntegra em 1976 na Alemanha.

Trata-se, portanto, da história de um homem e uma mulher: Luis, 23 anos, pobre e ambicioso, começa a trabalhar para um rico industrial de Frankfurt e conhece a esposa do mesmo, cujo nome não se saberá. Amor à primeira vista. Mas Cupido não consegue se refrear neste contexto. Como Luis será enviado pelo seu patrão para uma missão no México, o idílio só se realiza até um certo ponto. Promessas de lado a lado de se reverem rapidamente. Mas a guerra de 1914-1918 impede Luis de voltar à Europa e o reencontro só acontece nove anos depois.

Conseguirá a paixão resistir ao tempo que passou? As recordações serão suficientes para reacender a chama? Todos os temas de Zweig estão ali: os sentimentos que pegam fogo, a sua fragmentação posterior e a impossibilidade de recuperar o tempo perdido, sem esquecer o trauma da guerra e o prenúncio da devastação nazista. O leitor saboreia também o estilo ardente – ah!, as metáforas do tipo “a esfera cintilante da satisfação”, “o véu orgulhosamente despido da alegria”, “o baluarte artificialmente construído da hipocrisia”; e o charme anacrônico de “seus corpos tremiam e se inflamaram e, num beijo infinito, saciaram horas e dias incontáveis de sede e de desejo inomináveis”. Mas este estilo cremoso fala tão bem da emoção, da exaltação, da distância e da dissipação inelutáveis...

Nas livrarias desde o último dia 28 de outubro, este breve relato imediatamente entrou na lista dos mais vendidos da revista L'Express: reimpresso três vezes, atingiu uma tiragem de 51 mil exemplares. Um êxito que não surpreendeu Jean-Jacques Lafaye, autor da primeira biografia francesa de Zweig, publicada em 1989 (Félin): “Há, de fato, uma ênfase um pouco obsoleta neste livro, mas não se consegue largá-lo! Zweig atinge um poder incrível de comunicação, um lirismo musical – não é por menos, não foi ele quem escreveu o libreto de uma ópera de Richard Strauss? Além disso, a sua psicologia é tao profunda, ela se expressa com tanta eletricidade vital que se torna atemporal. Os outros autores austríacos daquela geração de 1880 foram todos um pouco “pré-guerra” –mas ele, não.”

Jean-Jacques Lafaye esperou dez anos até poder publicar a biografia L'Avenir de la nostalgie. Une vie de Stefan Zweig (O futuro da nostalgia. Uma vida de Stefan Zweig): “Experimentei a recusa de 35 editores!” Mas em 1986, por ocasião da exposição do Centre Pompidou Vienne 1880-1938. L'apocalypse joyeuse, o público francês redescobriu o escritor austríaco com o pano de fundo do crepúsculo de uma civilização. Tanto que, ao longo dos anos, La Confusion des sentiments (Confusao de sentimentos) é campeão de vendas dos livros de bolso estrangeiros (ver adiante). “Houve um tempo em que pessoas sérias franziam a testa quando ouviam falar em Zweig, autor excessivamente popular”, recorda Serge Niémetz, tradutor e autor de uma outra biografia, Stefan Zweig. Le voyageur et ses mondes (ver em Doações ). “A >i>Viagem ao passado (Le Voyage dans le passe) não apenas prova que o seu gosto pela hipérbole não incomoda o leitor moderno, mas também e sobretudo que ele sabe construir uma história. Este contador nato tem sua excelência na forma curta: ele próprio costumava dizer que era o seu ritmo natural. O sucesso deste livro confirma, a meu ver, a tendência que se iniciou com a nova tradução das suas memórias, O mundo que eu vi (Le monde d'hier), de 1982. Trata-se de um dos textos fundadores do mito de Viena. Vejo um certo parentesco entre a crise de identidade que se abateu sobre a Áustria do fim do século 19, aquele dificuldade de se definir, e o que vivemos hoje”.

O sucesso atual de Zweig está também ligado às suas numerosas adaptações teatrais, onde a sua arte de penetrar nas almas consegue maravilhas. “Ele não tem igual”, prossegue Serge Niémetz, “para captar a psicologia dos indivíduos, principalmente a das mulheres. Ele aparece como mestre dos colapsos sentimentais. Nele, percebe-se de uma só vez como a identidade de um personagem é frágil, a ponto de levar, às vezes, ao suicídio, tema recorrente neste escritor que, ele próprio, acabou pondo um fim aos seus dias”. Ainda que ele não tivesse o gênio de um Robert Musil ou de um Joseph Roth, o destino trágico deste humanista vencido pela História nos deixa aproxima dele. Segundo Jean-Jacques Lafaye, que também escreveu Stefan Zweig, um aristocrata judeu no coração da Europa (Stefan Zweig. Un aristocrate juif au coeur de l'Europe), “Zweig não terminou de falar conosco, porque o seu ideal era compartilhar – compartilhar a História por meio das biografias de personagens célebres, bem como dos sentimentos, graças aos seus romances”.

Delphine Peras