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TEXTOS

Stefan e Selma


André Vallias

No final de 1941, quando o paraíso tropical já se eclipsava no sombrio isolamento de Petrópolis, Stefan Zweig recebia – sem que pudesse tomar conhecimento ou sequer imaginar – a mais bela e veemente homenagem de sua vida: um poema escrito no outro lado do mundo, em uma das mais recônditas províncias do antigo império onde nascera e que vira despedaçar-se ao término da Primeira Grande Guerra, na Bukowina, Buchenland, terra das faias, árvores arquetípicas que emprestam “livro” e “letra” à língua alemã – Buch e Buchstabe.

A autora do poema: uma jovem de dezessete anos, Selma Meerbaum-Eisinger, nascida e criada em Czernowitz, então Romênia, hoje Ucrânia, cidade natal do mais reverenciado poeta de fala alemã do pós-Guerra, Paul Celan (1920-1970), seu primo por parte de mãe.

Datado de 24 de dezembro de 1941, Stefan Zweig é o fecho de Blütenlese (Colheita de Flores), 52 poemas de sua fatura e cinco traduções, anotados a lápis num caderno de capa florida, dedicado “com amor” a Lejser Fischman, companheiro do grupo sionista Hashomer Hatzair.

Vivia então, com sua mãe e padrasto, no minúsculo gueto em que as autoridades romenas haviam confinado os 60 mil judeus da cidade. A deportação para os campos de extermínio da Transnistria aconteceria seis meses depois. Selma faleceu de tifo no dia 16 de dezembro de 1942.

O pequeno e comovente legado da poeta só começou a vir à tona no final dos anos 70. Hersch Segal, professor de Selma no Liceu Judaico de Czernowitz, rastreou o paradeiro de Blütenlese e o publicou em 1976, numa pequena edição independente, em Israel. Três anos depois, um dos 400 exemplares editados sem grande alarde pela Universidade de Tel Aviv, chegou às mãos da poeta Hilde Domin (1909-2006) e, por seu intermédio, aos ouvidos do jornalista e pesquisador do exílio Jürgen Serken, que se encarregou, em 1980, da primeira edição alemã do livro: Ich bin in Sehnsucht eingehüllt (Estou envolvida em saudade).

Em 2002, a vida e obra de Selma deram ensejo à bem sucedida peça teatral Selma – oder Die Reise um den Tisch (Selma – ou A viagem ao redor da mesa), de Heinrich Hartl e Jutta Czurda. Seu nome, contudo, só viria a atingir o grande público em 2005, quando o grupo suiço World Quintet convidou astros da pop music teutófona para interpretarem alguns de seus poemas musicados, no álbum Selma – in Sehnsucht eingehüllt.

Entre as faixas mais elogiadas pela crítica, destacou-se a do rapper alemão Thomas D, que escolheu Stefan Zweig para transformar num sutil e rítmico “canto-falado”.

E assim, graças ao tirocínio de um rapper que ecoou na web pelos intrincados caminhos dos mecanismos de busca, ficamos sabendo da história de Selma e de sua linda homenagem a Stefan: o poema que traduzimos em primeira mão para os leitores deste site.

Rio de Janeiro, março de 2008

Clique aqui para ler o poema



Desenho de Arnold Daghani (1909-1985), artista judeu, conterrâneo de Selma, que testemunhou sua morte no Campo de Michailowska.